domingo, 14 de novembro de 2010

Rio-Madrid-Rio-Madrid-Rio...

Há duas semanas, aterrissei no Rio depois de exato um ano desde a última vez que estive por aqui. Desembarquei 16 de novembro, o mesmo dia em que, no ano passado, parti novamente pra Espanha rumo a uma segunda edição da minha estadia por lá.
Depois de um inverno que durou quase seis meses, de muito trabalho e muito estudo mas também de muitas viagens, muitas visitas e muitos novos amigos em Madri, vim fazer um pit stop estilo Rubinho (beeem demorado) na minha terra.
Uma das (únicas) coisas legais de ficar um ano fora da cidade que se viveu toda a vida é começar a notar como ela está em constante transformação. Desta vez, reparei mudanças que vão desde "novas" palavras como UPP e "DR" (Unidade de Policiamento Pacificadora e Discussão de Relação, para os analfabetos do dicionário carioca contemporâneo) às regras atuais que as meninas da zona sul temos que seguir, como pintar unhas de azul-piscina e rosa, fazer luzes californianas e achar barato um vestido de R$ 200.
Mas acho que o que mais dá prazer nesta minha fase atual de revezamento entre Rio e Madri é aproveitar tudo em dobro nas duas cidades. Não consigo até agora - nem acho que um dia conseguirei - descrever a ansiedade que me fez quase explodir quando literalmente corria pelos corredores do aeroporto do Rio em direção ao portão onde me recepcionavam meus pais (que, by the way, parecem que ficaram um ano mais novos!), minha vó e minha irmã. E menos ainda a plenitude de abraçá-los. Nem a alegria de chegar em casa e encontrar minhas amigas me esperando para um lanche com requeijão e mate. Nem a emoção de encontrar cada amigo e a família aos poucos, desde uma mega-reunião na praia do Leblon a esbarrões casuais na padaria. Nem o prazer de dormir na minha cama como uma princesa, de sentir o ar do Jardim Botânico entrar na minha janela a cada manhã, de nadar e me deixar absorver pelas águas cristalinas do Arpoador e até do calor sufocante que senti nesta tarde quando voltava de ônibus do Centro.
Da mesma maneira que me faltam palavras para registrar a emoção que senti no dia em que desci do metrô em Madri no fim do ano passado, quando me lancei numa nova jornada nessa cidade, que agora já conhecia, da qual já era parte de alguma forma.
Claro que há sempre dúvidas, incertezas e outras coisas chatas, mas como escrevi no ano passado, sigo com a sensação maravilhosa dar passos sobre um caminho que, embora não tenha um destino bem delimitado, é feito por mim, de perceber que, realmente, "o que a vida quer da gente é coragem". O resto vem no pacote.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Mistura


Outro dia, conversava com uma amiga polaca sobre seu noivo peruano, ao lado de uma paraguaia que casou com um espanhol, uma alemã que cresceu no Paraguai e de uma equatoriana cujo pai tem nacionalidade espanhola, quando percebi que eu, que me orgulho de vir do país da mistura racial, nunca tinha visto tanta gente diferente em um só lugar antes de vir à Espanha.
Ok, não é uma comparação muito legítima, a da Espanha com o Brasil, já que nós temos séculos de experiência no cruzamento de portugueses, índios, negros e quem mais se achegar.
Na Espanha, por outro lado, a mestiçagem é muito nova, porque aqui, ao contrário de muitos países europeus, a imigração é recente, coisa dos anos 90 pra cá, e, por isso, essa mistureba de gente também.
Talvez ainda não tenha alcançado sequer a segunda geração. Mas, pelo que se vê nas ruas, já é uma das grandes características da cidade.
E eu adoro sair na rua e ver rosto de tudo quanto é tipo, dos africanos com a pele brilhante de tão negra à transparência dos europeus do norte que passeiam por aqui, dos chineses que se apoderaram do pequeno comércio da cidade aos romenos que chegaram em massa depois de entrar na União Europeia, dos marroquinos que vendem DVDs piratas aos músicos latinos que poetizam a rotina com shows improvisados no metrô.
É no metrô, aliás, onde melhor se pode atestar essa mistura. Sempre que entro no vagão trato de olhar para os lados e não dá outra: é chinês sentado junto de peruano, do lado da poloca, de frente pro espanhol, que tenta entender o inglês da conversa das estudantes americanas.
E, claro, há sempre um grupinho de brasileiros fofocando, enquanto eu trato de ouvir tudo, dissimulando com a minha cara de não brasileira, fruto também de uma boa mistura!
p.s.: a foto que ilustra este post foi tirada no parque do Retiro, aqui em Madri.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Mudança(s), 2

Nesta madrugada, fui acordada por uma luz forte, como um holofote. Abri os olhos e lá estava ela, a lua de Madri, que me fitava pela janela com a mesma força do dia em que encontrei meu primeiro apartamento aqui, no ano passado.
Mas, peraí, eu disse janela?
Sim. O que quer dizer que já não moro mais na calle del Limón, 1, onde passei dez meses num quarto sem janela.
Daí meu encanto em, no meio da noite, ser acordada pela lua e, no início da manhã, pelos raios de sol que agraciavam meu corpo, já desacostumado em ver a luz do dia pela manhã. "Na casa que não entra o sol, entrará o médico", diz um ditado popular turco, segundo meu amigo da Turquia que abriu seu apartamento aqui em Madri para me receber.
Ele tinha um quarto sobrando, que, somado ao fim do meu contrato no apartamento - que não quis renovar -, resultou na minha mudança (na qual pude atestar, de novo, minha capacidade de juntar tralhas) pra cá.
Com "cá", me refiro à região de Cuzco, um bairro residencial mais para o norte de Madrid, longe do centro, onde já tinha me acostumado a morar. Mas assim será uma oportunidade para conhecer outra cara da cidade, mais nova, menos tradicional.
Ou seja, foi uma mudança de ares também, embora não a única: mudei ainda de rotina, já que, um dia antes de vir para cá, apresentei o trabalho do doutorado que vinha fazendo desde o fim das minhas aulas, em junho (e que, by the way, fui aprovada!), depois de disfrutar de uma deliciosa semana de muitos filmes e pintxos no festival de cinema de San Sebastián.
Passada essa viagem, a defesa do trabalho na banca e um agradável fim de semana com as amigas, enfrento agora uma rotina de trabalho, que, como faço de casa, posso revezar com uma incursão pelos canais de tv a cabo que agora disfruto (um mundo a parte para quem tem que aguentar a sofrível televisão aberta espanhola).
Por isso, ainda não deu tempo de explorar a região, embora dê para espiá-la da enoorme janela da sala, uma pequena grande mudança.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

As férias 2


Hoje uma folha de outono caiu despretensiosamente sobre a sacada da minha janela, num sutil presságio do fim do verão, anunciado também pela queda gradual das temperaturas.O que me lembrou que ainda faltava por relatar aqui meu verão de 2010.
Desta vez não passei pelas loucuras do ano passado , como morar em um barco, ir numa praia louca, se demitir de um trabalho semi-escravo, perder o voo ou mudar de destino de um dia pro outro. Mas mesmo assim teve muita aventura e ótimas lembranças: pela primeira vez na vida, vi uma estrela cadente e plantações de girassóis, dois arco-íris, revi pessoas queridas que não via há dez anos e conheci outras tão maravilhosas quanto, passeei duas vezes por Paris, dancei salsa em Berlim e me apaixonei (por uma cidade!).

As férias começaram oficialmente no sul de Portugal para onde fui na última semana de julho, depois de quase todo o mês de bastante trabalho no restaurante, pra rádio e pro jornal e nenhum estudo.
Gente chorando, gente gritando, gente brigando, gente correndo, gente deitada no chão, gente na fila. Muita gente. Esse foi o cenário com o qual me deparei na chegada ao aeroporto de Madri, que cospe gente pra fora durante os meses de julho e agosto, tanto de europeus desesperados pelas praias espanholas quanto de espanhóis desesperados por sair da cidade.
Depois de assistir um pouco daquele circo e sofrer uma horinha na dura cadeira da Ryanair, aterrissei em Faro, no sul de Portugal, onde encontrei minha irmã, minha prima Carol, que finalizava um intercâmbio no Porto, e a portuguesa Rita, que nos acolheu na sua deliciosa casa de praia no Algarve, a região sul de Portugal que todos deveriam conhecer um dia.
Tomei um banho literal e figurativo de mar, este que já não provava há uns bons 10 meses, além de passear de barco, mergulhar, comer maravilhosamente bem - como sempre se faz em Portugal, aliás - e me balançar muito na rede da varanda da Rita, de onde vi, pela primeira vez na vida, uma estrela cadente.

Cinco dias depois e voltei à realidade, que no meu caso era terminar meu trabalho de qualificação do doutorado, que tinha que ter começado em junho - à tempo de embarcar numa viagem para Berlim no fim de agosto. Ledo engano...

Como no ano passado, o acaso me conquistou também neste verão, e me levou a Paris duas vezes no mesmo mês (que chato!). Na primeira delas, fui reencontrar a família que me recebeu durante meu intercâmbio pros Estados Unidos há dez anos, e a quem eu não via desde então. Depois de ser ótimamente bem recebida por um arco-íris e pela minha amiga franco-portuguesa Babeth no seu apê com a varanda de cara para a Sacre Couer, de onde saboreei os indecentes croissants parisienses no café da manhã, encontrei a família no Arco do Triunfo. Mas, como bons americanos, eles escolheram trocar as largas calçadas da Champs Elysée pelo castelo da Eurodisney, o que não me desagradou, já que assim pude incluir loopings deliciosos de montanhas russas no meu diário de férias.

De volta à Madri, de volta ao batente, tirando os (muitos) momentos de visitas familiares que passaram por solo espanhol nesse mês. Família é família, e como a minha é maravilhosa, os momentos que passamos juntos foram igualmente assim.
Tudo bem, teria ainda uns dias até Berlim, não fosse o destino querer que eu fizesse uma segunda parada em Paris, desta vez super improvisada e decidida uns dias antes.
Daí não ter mais voos que custassem menos do que me custaria ir ao Brasil, e daí eu corajosamente decidir encarar uma viagem de 17 horas de ônibus entre Madri e Paris.
Tirando as terríveis dores nas costas - o que me fez aceitar a minha velhice no que diz respeito à viagens de ônibus longas - foi uma linda jornada: cruzamos por mais de uma hora uma infinidade de campos de girassóis, que ansiava por ver, já que tenho um tatuado nas costas, atravessamos cidades lindas com San Sebastián, Burgos, Orleans e dezenas de pequenos povoados no norte da Espanha e no sul da França.
Ok, a viagem me destruiu, mas não a ponto de me impedir de passar dois deliciosos dias em Paris, de onde fui direto pra Berlim, o destino final.

Como normalmente acontece comigo, me apaixonei por Berlim aos poucos. Cheguei cansada, com frio, com sono e com fome, e sem achar a casa do Igor, meu amigo carioca que está encarando um doutorado na Alemanha e me receberia no seu lar berlinense, que eu achei depois de desistir de andar na chuva e apelar para um taxista turco.
Pouco a pouco, fui explorando a cidade, das festas às dezenas de museus, um melhor que o outro, da História que transborda pela cidade aos bares super modernos, das milhares de bicicletas ao verde intenso, da salada de batata (opção alemã para quem não come salsicha) às apfel strudels, da pontualidade e disciplina assustadoras mas muito admiráveis à informalidade de uma cidade extremamente jovem, tudo, absolutamente tudo em Berlim me conquistou - menos os 16 graus que faziam em pleno verão!

Saí de lá com a sensação de que tinha que ficar mais uma semana, mas com a certeza de que foi a chave de ouro para mais um verão europeu

(e, sim, até agora não terminei o trabalho).

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Portas

Não sejamos aquele que espera que se lhe abra uma porta na parede que não tem porta.
Esta é a frase que me vem à cabeça na noite desta sexta-feira 13 (!), depois de assistir na tv espanhola ao belíssimo filme "O Jardineiro Fiel" e, em seguida, escutar outra vez a notícia de que 42% dos jovens espanhois estão desempregados, tudo isso enquanto tentava seguir com o meu trabalho de fim de curso.
E foi tentando estudar que me deparei, enquanto abria mais uma tese para começar a ler, com o poema Tabacaria, de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa (aquele do "não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo"). "O mundo é para quem nasce para o conquistar" diz a primeira frase do poema citado pelo autor da tese.
Pronto, estava aí a desculpa perfeita para parar de estudar e dar uma passada aqui no blog.
É que, embora pareçam sem nexo, estas três informações - o filme, os jovens desempregados e o poema - me disseram a mesma coisa. Me disseram da importância de deixar pegadas no mundo, como fazem os protagonistas de "O Jardineiro Fiel" (se não viu o filme vá vê-lo!), o autor que concluiu sua tese que agora leio e o próprio Fernando Pessoa, que, mesmo escrevendo da sua sina em "não ser nada", nesta sexta-feira 13 de 2010 me tocou com palavras escritas em 15 de janeiro de 1928, dia do aniversário da minha vó, que penso estar aqui comigo agora.
Mas as três informações me disseram também da angústia em não conseguir deixar essas pegadas, angústia que deve sentir boa parte desses milhões de jovens desempregados, que a Organização Internacional do Trabalho chamou esta semana de "geração perdida", angústia que sinto eu cada vez que não consigo avançar com meu trabalho e que deve ter sentido o poeta ao escrever que "serei sempre aquele que só esperou que lhe abrissem a porta ao pé da parede que não tem porta".
Embora estivesse sozinha no meu sofá numa noite de uma sexta-feira com festas típicas pelas ruas do caloroso verão madrilenho refletindo sobre essa angústia, não pensei em entrar em depressão. Nem se eu quisesse: na mesma hora recebi uma ligação do Skype do meu primo no Rio (como eu amo o Skype)!
O fato é que tudo isso me fez refletir sobre a importância de cada passo, de cada pegada que se deixa no mundo (sobre as quais já escrevi aqui). De não ser, ou pelo menos tentar não ser, aquele que espera que se lhe abra uma porta na parede que não tem porta.
Até porque paredes estão aí para serem derrubadas.

(p.s.: No próximo post deixo minhas reflexões abstratas para contar novas aventuras da edição de 2010 das férias de verão. Enquanto isso, quem quiser pode ler as de 2009, parte 1, 2 e 3).

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Tempo

Na noite do último dia 16 sonhei com meus amigos da escola, acordei e me dei conta que no fim do ano completamos dez anos de formados.
Foi no mesmo dia 16 em que completei exatos 1 ano e sete meses desde o 16 de janeiro de 2009 em que vim a Madri, e outros nove meses desde o 16 de novembro em que comecei minha segunda fase aqui (sim, eu só viajo dia 16 hehe).
Claro que não é novidade nenhuma dizer que o tempo voa, mas...como o tempo voa!
Aqui em Madri, por exemplo, já entramos no alto verão, época de viajar, fazer piquenique à meia-noite, ir à piscina e..er..estudar, uma tarefa um pouco difícil nesses tempos. Mas, em defesa própria, digo que tenho trabalhado muito também, o que tem me tomado mais tempo, esse que insiste em voar, até aqui no Velho Continente.

sábado, 3 de julho de 2010

Repetições e novidades


Depois de um ano e meio morando em Madri, entrei na fase da repetição. Começo a ver outra vez os mesmos eventos do ano passado: a parada gay, que acontece hoje e sobre a qual escrevi ano passado, a procissão de Santo Antônio, o torneio de tênis de Madri, as liquidações de inverno e de verão e por aí vai.
Mas nesta semana vi uma cena que não só foi inédita para mim como também uma das mais bonitas que presenciei neste ano e meio: uma tuna, um grupo de universitários que fazem serenatas vestindo e tocando tal qual no século XV.
Sim, em pleno século XXI e em plena metrópole europeia ainda existem jovens que fazem serenatas. E meninas que vão para a janela escutá-las, como as da que vi esta semana.
A tuna é uma tradição ainda forte na Espanha. É formada por jovens universitários de uma mesma faculdade que, com instrumentos como pandeiro, acordeon e variações do violão e violoncelo, e vestidos com trajes antigos, tocam e cantam, em altos agudos, músicas do folclore europeu e iberoamericano (sim, existe folclore também por aqui).
Foi com essa tradição que me deparei as 22h30 de uma quinta-feira, quando caminhava pelas ruelas do boêmio bairro de Malasaña em direção a um bar. Lá estavam eles, os universitários, no meio da rua, no meio da noite quente, e em meio a moradores e pedestres que pararam para apreciar e cantavam juntos algumas das belíssimas músicas - "é que eu também fui ´tuneiro´ na faculdade", me contava um senhorzinho que sabia todas as canções.
Mas a verdadeira plateia era o grupinho de meninas do quinto andar do prédio, que, com cigarros, chales flamencos e o mesmo ar blasé das moças de outrora, assistiam à apresentação de seus admiradores, que, além de cantar e tocar, dançavam passos tímidos mas coordenados de um lado para o outro.
Foi pra mim um legítimo show, mesmo que sem palco, sem ingressos, sem técnicos de som e luz e no meio da rua, este que é o verdadeiro palco da vida madrilenha.
Foi um momento para o qual espero repetições.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Extremos

Lembra que falei que a primavera finalmente estava chegando aqui em Madri? Ledo engano. Ela nunca chegou.
Quem chegou foi o verão. Chegou não, invadiu, com seus 35 graus, 20 a mais do que os termômetros marcavam há algumas poucas semanas.
Madri é mesmo um lugar de extremos e, com o clima, não é diferente. Este ano, o inverno durou até maio, quando, num belo dia, os termômetros amanheceram em 30 graus. Rondaram essa temperatura por semanas, até se esborracharem outra vez para os 13 graus!
Hoje, uma quinta-feira de "amenos" 17 graus, eu, que aproveito um dia de folga para também me revezar entre os extremos de (não) estudar e ver Gossip Girl no computador, acabo de sentir outra manifestação desse tempo louco: um vento poderoso que bateu na minha cara enquanto estava sentada no sofá da minha sala, cuja janela, que dá para o pátio interno, pouco sabe do que se passa lá fora.
Acho que foi um recado: é hora de sair! Não fosse uma crise de gastrite que me pegou outra vez esta semana (xô gastrite!), já teria corrido pra comer uma sobremesa na doceria. Mas, mesmo assim, vou aceitar o convite do vento e aproveitar esse break dos extremos e andar na rua sem congelar e fritar. Hasta luego!

sábado, 1 de maio de 2010

Os estrangeiros, todos nós

Árabes, romenos, latinos, indianos, coreanos, chineses. Aqui não há dúvida: somos todos estrangeiros. Aqui, no setor de "extranjería" do Ministério do Trabalho, onde enfrento uma fila de duas horas, um tempo que parece curto para tanta informação que me vem enquanto olho em volta: gente de tudo quanto é cor, cara, forma. Segurando filhos, lendo livros, dicionário e jornais gratuitos que passam de mão em mão, jogando paciência no Ipod. Rostos que mostram aborrecimento mas também, cada um deles, um país, uma história, um caminho, todos eles convergindo aqui em Madri e fazendo eco com a primeira frase do texto que levava para ler: "A maioria das sociedades contemporâneas são entidades multiculturais, nas quais indivíduos e grupos coexisten em ocasiões muito diversas".
Vejo neles não só as típicas histórias de sofrimento, mas também conquistas, alegria, tranquilidade, gente que veio para estudar, atrás de um amor, para fazer dinheiro, mas sobretudo gente em movimento, que não se intimidou pelo decadente limite das fronteiras nacionais, que viu além dele, e que hoje está aqui, formando, conscientemente ou não, um bolo de ingredientes tão diferentes mas ao mesmo tempo tão harmônicos, porque, afinal "todos somos filhos de Deus.

Só não falamos as mesmas línguas".

domingo, 25 de abril de 2010

Quase uma

É quase uma da manhã, e eu me sento.
Porque, embora caminhasse sem pressa, o cenário estava atrativo demais para não ser contemplado. Seria indelicado.
É quase uma da manhã, e eu me sento. Em frente ao Palácio Real de Madri, sob uma lua - sempre ela! - e ao lado de tantos outros que, como eu, também se sentam, embora seja quase uma da manhã.
Se sentam porque, quando a primavera finalmente resolve aparecer depois de um mês de atraso, uma da manhã é cedo para abandonar a rua, as praças, os gramados e as mesas de bares que, talvez pela primeira vez no ano, arderam com o sol que baixou não faz muito tempo.
Mas ainda há tempo antes que ele volte, e por isso nos sentamos: eu, o casal que namorica na grama, as meninas que fazem picnic noturno (leia-se larica), o fotógrafo atento ao foco e esperando o momento certo de disparar e os amigos italianos que se enfileram, de costas para mim, para uma foto, e a fila é tão simétrica que me dá vontade de tirar uma foto também.
Há ainda os que não se sentam, como o atleta que circula o Palácio Real correndo, embora seja quase uma da manhã, o casal de idosos que passeia com o cachorro em traje esporte fino e os quatro senhores que provavelmente saíram de um espetáculo no Palácio Real e, como eu e os que se sentam, querem prolongar a noite.
Eu quero prolongar a noite porque vejo a fileira de postes de luz que iluminam o passeio do palácio, as estátuas e os jardins decorados, o movimento silencioso de quase uma da manhã. E quero ficar ali, não pensar em nada, pensar em tudo, ver, escrever, rir com os bêbados brincando de cavalinho e se espatifando no chão, planejar, sonhar, ponderar, sentir. Me sentar.
Mas um caminhão de limpeza passa e, como um despertador, me leva de volta para a realidade - ao menos a que insistimos em criar. Penso então nos horários, no trabalho amanhã, no resfriado que me pegou toda a semana, que melhor não passar frio, que o relatório do trabalho de campo não está pronto, que os jornais não estão lidos, a resenha não está feita, porque falta ler o texto, falta preparar a matéria, falta descer o lixo, tomar banho, botar a roupa para lavar, e a semana vai ser puxada, e um pensamento puxa o outro, e quando vejo já não vejo a hora de chegar em casa.
Ou não. Hoje não. Abandonarei o cenário, mas hoje sem pressa, porque esperei muito para chegar a primavera. Então vou respirar cada segundo dela, vou deixar passar a hora mas não o momento, mesmo que agora já faz tempo que não é quase uma da manhã.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Tempestade

Pela primeira vez ouvi um trovão em Madrid, depois de mais de um ano sem nem um raiozinho sequer. Até porque em Madri não chove - ou melhor, não chovia. No ano passado, não usei guarda-chuva nem um dia sequer. Este ano, já tenho dois, porque desde janeiro não pára de chover - embora uma chuva fininha, daquelas tipo a garoa da São Paulo de outrora.
Daí meu susto quando estava no restaurante na tarde de sábado secando talheres e ouvi um estrondo que os meus ouvido já não reconheciam com tanta clareza. Uma bomba do ETA foi a primeira coisa que pensei, assim como pensaria se tratar de um tiro se estivesse no Rio.
Mas meus neurônios, apesar de lentos, não tardaram muito a lembrar que aquilo era um trovão. Um trovão!
Ah que delícia aquela sensação de chuva forte, de vento quente na cara e de trópico que tive quando saí do restaurante - pela primeira vez sem casacão, porque, apesar da chuva, o tempo estava melhor - e deixei que aquele clima atípico para esta época entrasse no meu corpo! Me fez lembrar as noites de verão sobre as quais já escrevi aqui.
Infelizmente, não se tratava de uma mudança dos trópicos aqui pra cima, mas de um mini-ciclone que a meteorologia já vinha prevendo há alguns dias. Não chegou a ser tão forte como se alardeou por todo o país, mas foi o suficiente para quase me fazer voar enquanto eu caminhava pela rua durante a noite. Acho que foi o mais próximo de um furacão que já vivi - e que espero viver.
No domingo, outra bela surpresa: depois de tantos dias cinzas, a cidade amanheceu com um sol lindo, que eu celebrei indo a uma feijoada legítima na casa da chef carioca Juliana Aguiar, já que ganhei uma folga forçada por causa de uma mini torsão de tornozelo que fiz sábado na academia, e por causa da qual passei duas horas na fila de hospital público (sim, na Europa também tem isso).
Para completar o mix de temperaturas, fechei o dia com uma sessão de sauna na academia depois da aula, que intercalei com duchas de água gélida pra ver se o choque término me dava uma injeção de energia para as (muitas) leituras atrasadas que tenho no doutorado.
Realmente a meteorologia não errou: pelo menos para mim, estes dias foram de tempestade... mas de ótimas sensações (tirando o tornozelo e a fila do hospital...)!

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Aeroporto

Já perdi a conta de quantas vezes fui ao aeroporto de Madrid. Para embarcar mesmo, poucas - e nessas geralmente estou correndo para não perder o voo. No restante, diria uns 80% das vezes, estou ali para buscar ou deixar alguém. Só nas ultimas três semanas, foram três, para buscar e deixar minha mãe - que passou 15 maravilhosos dias comigo - e pra buscar a Luci, uma amiga carioca (sim, meu quarto já virou albergue!).
Mas não que eu esteja reclamando. Pelo contrário: além de o meu cartão do metrô me permitir ir de graça até lá, adoro aeroportos. E não só o de Madrid. Adoro observar as pessoas que passam pra lá e pra cá, os encontros, o clima de "não-lugar"...
Pelo menos no caso de Madrid, a impressão que me dá é a de estar numa espécie de universo paralelo: você sai na rua cheia de gente e carros, geralmente com pressa e cheio de malas, pega o metrô e puff... de repente está ali, num espaço opaco, silencioso, com esteiras elétricas, cafés, pessoas cheias de malas, de destinos, de origens e de histórias estampadas nos seus rostos meio apáticos, meio blasé, com "cara de aeroporto".
Sempre que estou esperando uma chegada no portão de desembarque ou um último tchauzinho na fila de embarque - que, by the way, tem demorado bastante por causa do atual rito de passagem que inclui tirar botas, cintos, colocar os líquidos no saquinho, etc - me pego de repente parada observando todo esse "não-movimento", essas migrações instantâneas. E me dá vontade de ficar ali o dia todo.
Pode ser saudade de casa, vontade de ir junto ou mais bem maluquice minha mesmo (ou ainda os três juntos). Não importa. O que importa é que já desço no elevador que leva direto à estação do metrô esperando a próxima desculpa pra voltar. Segunda que vem já arrumei uma: vou receber a minha irmã e uma amiga.
Quem será o próximo???

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Um ano


No dia 16 de janeiro de 2009, eu desembarquei na Espanha com muitas malas, dúvidas, felicidade, medo, excitação, nervosismo e aquela sensação deliciosa de estar vivendo a vida.
Hoje, exato um ano depois (um ano torto, diga-se, já que estive no Rio), sigo na Espanha, e sigo com muitas malas, dúvidas, felicidade, medo, excitação, nervosismo e aquela sensação deliciosa de estar vivendo a vida.
O que não quer dizer, claro, que nada mudou. Tudo mudou. A diferença não é o fim, o objetivo ao que cheguei ou pretendo chegar, mas o caminho que percorri, as pessoas que conheci, as viagens, o estudo, os trabalhos, os lugares, as sensações. Essa é a maior mudança, a maior recompensa.
Mas não quero fazer desse post um balanço anual. A ideia é simplesmente deixar o registro e agradecer a todos no Brasil que me apoiam, me incentivam e torcem por mim (assim como torço para todos, diga-se).
E, para manter o costume (promessa de Ano Novo!), aqui vão algumas fotinhos tiradas ao longo dos últimos (primeiros?) 12 meses.


































quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O ano começa depois...dos Reis Magos


Sabe aquela história de que no Brasil o ano começa depois do carnaval?
Na Espanha, ao que me parece, isso acontece depois do dia de Reis Magos, celebrado ontem, 6 de janeiro.
Aqui, a data, feriado nacional, é muito comemorada: é só nesse dia, e não no Natal, quando as famílias se dão presentes, "trazidos" não pelo Papai Noel, mas pelos três Reis Magos (o que realmente faz mais sentido). De forma que aquela loucura de compras que temos no Natal é transferida aqui pros primeiros seis dias de janeiro.
Passados esses dias, as pessoa enfim se recolhem às suas casas e param de comprar, certo?
Errado, erradíssimo. Hoje, 7 de janeiro, é o dia que começam oficialmente as "rebajas" (as grandes liquidações que acontecem duas vezes ao ano), nesete caso as de inverno. Como já tenho roupa o suficiente (tão suficiente que nem couberam no armário do meu novo quarto), nem passei perto das Zaras e companhia, mas corri para o Carrefour para garantir o meu estoque anual de "turrones", uma pequena maravilha da Espanha cuja varidade de sabores descobri neste Natal.
O resto do dia, o primeiro da frente (muito) fria que chegou da Inglaterra, passei debaixo das cobertas, assistindo às repetidas cenas daquele monte de gente entulhada nas portas das lojas e correndo em direção às prateleiras.
Como o frio me desabilitou a tirar as mãos do bolso, não fiz nenhuma foto dessa catarse coletiva aqui em Madrid, mas garanti uma sessão de registros das celebrações típicas do dia de Reis Magos: a Parada de Reis que acontece anualmente nas principais ruas de Madrid na noite do dia 5, um típico café da manhã familiar de Reis - neste caso, o da minha amiga Susana, que me convidou para participar dele - a comemoração entre amigas que fizemos aqui em casa de noite e, por fim, um dos protagonitas da data: o Roscón, um pão doce em forma de rosca com açucar, pinhões e frutos secos, que é a comida tradicional do dia de Reis Magos. Dentro dele, vem sempre um brindezinho, e a graça é que quem o encontra terá sorte para o ano (mentira, a graça é devorar a rosca, com chantilly e chocolate!).


A parada de Reis Magos na Plaza de la Cibeles



A vitrine da patisserie daqui da esquina lotada de roscones



o lanche de Reis Magos aqui em casa

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Mudança de (alguns) hábitos

O que fazer na primeira segunda-feira do ano, com muito frio, muita chuva e muita preguiça?
Não, eu não passei o dia (todo) debaixo das cobertas: decidi, enfim, me matricular na academia aqui perto da minha casa, o que, mais que uma resolução de Ano Novo, era um compromisso de 2009 ainda pendente. Depois, claro, de ir no supermercado (meu programa preferido) recarregar a dispensa para 2010.
Pois bem, lá fui eu, com duas calças e três casacos, fazer uma aula de pilates, que, junto da sauna, pretendo que seja a minha atividade principal na tal academia.
Como academia é academia em qualquer lugar do mundo (assim como preguiça também é preguiça por aqui), se eu vou conseguir vencer o frio meu de cada dia pra atravessar a rua em busca de alguma gota de suor, isso sim já é uma resolução de 2010 que o tempo dirá se será cumprida ou não.
Não importa, o importante é essa sensação gostosa de que o ano começou, embora o meu só comece mesmo na semana que vem, quando volto às aulas. Mesmo assim, esse fim de semana já peguei no batente, porque passei a ser garçonete fixa de sexta, sábado e domingo no restaurante vegetariano que trabalhava às vezes. O bico é ótimo, tirando o fato de ter começado nada menos que no dia 2 de janeiro, motivo que me levou a pegar o ônibus da 1h da madrugada de sábado de Barcelona, onde passei o Réveillon com duas amigas brasileiras.
O que significa que, sim, eu sobrevivi ao meu primeiro Natal longe da família. E curti uma versão da ceia com "expatriados" uruguaios, peruanos, argentinos e, claro, brasileiros, com amigo oculto, farofa e rabanada.
A seguir, envio fotos de lá e de Barcelona - um hábito, este sim, que pretendo manter em 2010.

Os "expatriados" na noite de Natal na casa da Ju.

A sobremesa, de rabanada, panetone estilizado e os deliciosos turrones, uma das maravilhas da cozinha espanhola.


Com Luna e Ilana e o mallorquino Pol na virada em Barcelona

Festinha na casa do amigo da Luna, onde nos alojamos.

O nascer do dia 01/01/2010. Feliz Ano Novo!