terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Feliz Natal

Hoje sentei ocasionalmente em frente à árvore de Natal da minha vó, depois do "enterro dos ossos". Como poucas vezes, vi as luzinhas, os enfeites da árvore. Vi as histórias dela. E me deu saudade, de hoje...
Minha vó passou e disse: Luluca, não quer assistir à TV?
Disse: Não, vó, tô assistindo à árvore de Natal.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Como se houvesse amanhã

Amanhã eu ponho o pé no mundo

Sim,

Amanhã eu me jogo, me arrisco
mudo a cama de lugar
Que maravilha será mudar!

Vou mudar

Amanhã vou sair pra dançar
(ao contrário de hoje)
vou ser até um pouco louca

Vou ao teatro, vou ver a cidade
vou beber aquele vinho
e escolher outro prato do cardápio,

enfim

Talvez até faça uma tatuagem
e, quem sabe,
marque um vôo de asa delta

Tá decidido,

Vou mudar! mas amanhã
hoje estou cansada
e dá licença,

Que estou ocupada pensando em amanhã.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Maria e o caminho

Ela se chama Maria, como tantas outras, que, também como ela, caminham com o único objetivo de chegar "lá". Caminham com passos sofridos, olhos no horizonte, vergonha das vezes em que querem parar para descansar.
Maria caminha para chegar, ainda que não tenha a mais vaga idéia dos rumos de sua peregrinação.
- Eu sei que vou chegar lá.
- Lá aonde Maria?
Maria não responde. É que as Marias não percebemos que não há "lá", ou melhor, há sim: mas o "lá" é aqui. É neste caminho que a vida acontece, Maria. É em cada passo que a vida se faz, se cria, toma a forma que esculpimos com nossos pés. Seus passos não te levam a nada, eles tão simplesmente levam a ti mesmo. Cada passo é tão valioso, Maria, não percebe? Não percebe a maravilha que é poder dar um passo, e outro, e outro? E a delícia de dar as mãos com estes aqui do lado.
Do lado?
Maria poucas vezes olha para o lado. Daí ela não perceber os pós de ouro, as margaridas brancas, a água cristalina e a grama reluzente que margeiam seu caminho e a acompanham em uma estrada sem fim. Não percebe as canções, nem quem as canta, quem ri, quem chora.
É que não há tempo, pensa Maria. Se olham para os lados, as Marias acham que vão se perder, e não vão chegar lá, e vão se decepcionar.
Mas as Marias, humanas que são, se cansam. E querem parar para descansar. E descansam, o cansaço vazio, e se sentam sobre a incógnita e o medo de para sempre ficarem ali sentadas, fracas que se acham, ante aquela multidão que caminha sem parar para chegar "lá".
Mas Maria, querida, você, com tua força que você cisma em ignorar, já chegou há muito tempo "lá". Chegou no momento em que nasceu.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Entre "

Há um olhar que sabe discernir o certo do errado e o errado do certo.
Há um olhar que enxerga quando a obediência significa desrespeito e a desobediência representa respeito.
Há um olhar que reconhece os curtos caminhos longos e os longos caminhos curtos.
Há um olhar que desnuda, que não hesita em afirmar que existem fidelidades perversas e traições de grande lealdade.
Este olhar é o da alma.

A Alma Imoral, Nilton Bonder.

sábado, 26 de maio de 2007

A caixinha

Daquela pequena caixinha sairam distantes lembranças das mútuas entregas, do romance avassalador e de pequenos carinhos como aquele, o da pequena caixinha que aquelas mãos delicadas confeccionaram, num dia de paixão florescida, num dia que ficou fotografado na eternidade, ou ao menos enquanto durasse aquela caixinha. Eram pequenas fotos, eram colagens românticas, era um mimo que ela, com tanto entusiasmo, entregou àquelas mãos grandes e fortes. Era muito mais do que isso...
Daquela pequena caixinha saiu a resposta que ele procurava há semanas, talvez meses. É isso, disse de si para si, não mais contendo as lágrimas que até então apertavam um nó forte na garganta. É isso que não temos mais, lamentou, disso que sentia tanta falta, talvez por isso o brilho da sua áura, sempre estonteante, estivesse, pouquinho a pouquinho, perdendo a força.
Agora, se debulhava cada vez que lembrava do momento em que, envolto em dúvidas e questionamentos, sua mãe lhe entregara uma caixinha perdida entre tantos outros objetos da casa, e note, podiam ser estes tantos outros, mas foi justo a caixinha que a mãe trouxe nas mãos, dando-lhe ao mesmo tempo - talves sem saber, talvez sabendo, talvez seguindo o sexto sentido maternal - uma direção naquele caminho que lhe era difícil percorrer.
E a falta que sentia de tudo aquilo, a saudade de quando eram eles, de quando a viu, daquela festa em que o tão esperado beijo aconteceu, tudo isso saltou da caixinha como se estivesse preso em uma mola, tensionado pela pressão da tampa. E também pelas preocupações do dia-a-dia, pelo operacional daquela rotina exigida pela criança agora entre os dois. O romance acabou, pensou. Acabou?
Agora lhe restava a dúvida se o casual (?) encontro com a caixinha era um alento para reanimar este lindo romance, que gerou um fruto mais bonito ainda, ou se eram apenas lembranças de uma época que não voltará, memórias para se guardar numa caixinha, afinal. A certeza é que a caixinha, cada vez que aberta, até o fim desta vida, ou no início de outras, o premiará com pingos de uma história, conta-gotas da eternidade, de toda a eternidade que cabe dentro daquela pequena caixinha.

terça-feira, 15 de maio de 2007

Novo velho mundo

Tenho flagrados pensamentos, em pequena, de que tudo já estava pronto quando cheguei aqui. Prédios, ruas, hospitais, tudo o que via da janela do carro. Nada mais a construir.
E hoje, mesmo depois de ter testemunhado um mundo feito tão antes da minha chegada, nove séculos antes até, são insistentes as imagens de novas construções que, tijolo a tijolo, foram substituindo aqueles pensamentos de criança, esta que agora vê, além das coisas prontas, aquelas que se erguem sem limites. E insólitas, porém, e perdidas, porém, e sem rumo nem por que.
E vão formando um novo pensamento, de que se tem formado por aí um novo velho mundo, este mundo onde as novas coisas feitas sem propósito e mesmo assim com muita pressa se apertam - ou apertam - entre os própositos das velhas e lentas coisas, que, embora em ruínas, ainda mostram seus simbolismos, suas histórias, talvez sangue, talvez glórias, este mundo onde "tudo ainda é construção e já é ruína".

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Viajar é... (3)

...deixar-se em si mesma e aprender a se levar, mas a se levar leve. E solta. Ah, como é bom se soltar (que saudade eu tava de mim).
Lembrar da entrega e da paixão, aquela guardada num baú cujas chaves já me esquecera que guardava com tanto zelo. Também da arte e da besteira, da História e da preguiça.
Respirar fundo, pra caminhar, subir, caminhar, descer.
Ou simplesmente enquanto deito e sinto a vida passar, sem armaduras, sem fugas. Sem pressa pra acabar, mesmo sabendo que terá fim.

Viajar é... (2)

...comer,

beber,

comer e beber.

domingo, 22 de abril de 2007

Viajar é... (1)

...um pacotinho de dualismos:
Um delicioso cansaço do corpo
e um excitante descanso da alma;
suspiros alternados de êxtase e calma;
o peso da mochila doendo as costas,
ao mesmo tempo massageadas pela a leveza dos dias,
que vem e vão delicados, sem metas impostas,
súbitos, mas (ufa) sem correrias;
contigenciar e gastar;
saudade e vontade de ficar;
Dormir (muito) pouco
mas descansar de verdade;
E só um sentimento onipresente.
Felicidade.

segunda-feira, 5 de março de 2007

Devagar

Já foi. Mas já? Espera, mundo
Mundo sem paciência, por que tão rápido assim?
Rapidez ríspida. Rispidez, por favor, mais pausada
Pausa

....

É que não me lembrava
Destas horas desvairadas
Que viraram minutos
que viraram segundos
e segundos, milésimos,
Mil vezes mais à frente
De um tempo que não entende:
Este descanso apressado
Esta correria impregnada
E a dor estancada,
Pelo tempo esgotado

....

Ainda há pouco era manhã
E, veja só, já escureceu...
Estranho, mas me bateu a sensação
De que o tempo da vida não é o meu.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

De outro mundo

"Dónde termina tu cuerpo e impieza el mio?
A veces me cuesta decir
Siento tu calor, siento tu frío
Me siento vacio si no estoy dentro de ti"
Fusion, Drexler

Nossas pernas e braços
se encontram no tempo e espaço,
(coisas deste mundo)
e somos só entrelaço
e é beijo e abraço
e percalço
para chegar até você...

mas quando chego, amor
tudo se acalma
porque, corpo a corpo, (furor)
nosso encontro de verdade
é o da alma
(coisas de outro mundo)

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Venda translúcida

Quero ver o que querem me mostrar
(Não) quero ver o que querem me mostrar
Quero ver o que (não) querem me mostrar

A nós, obrigada

Caminhamos juntos, eu e ele, por um bom tempo, e por bom não quero dizer nem menos de um ano nem mais de dois. De mãos dadas, adentramos várias portas, a maioria das quais não cabe dizer aqui, mas digo aos sete ventos que sim, só adentramos lá um por causa do outro. Ou talvez por nós. Nós sabíamos o que queríamos. Pelo menos na época, sabíamos. O que um falava ecoava no outro. O que um sentia, sentia o outro. Vivam os dois, no mesmo ritmo, lado a lado. Não havia planos, havia dúvidas, mas também esperança.
Hoje, há lembrança
Pura, como daquele ontem da seda da dúzia de rosas enxugando as lágrimas da derrota de uma batalha, que se mostrou pequenina, ínfima diante do mar de possibilidades que um acreditava haver no outro. Também das mútuas vibrações com cada passo conquistado, cada pequena vitória, que se mostraram grandes, nobres diante do brilho orgulhoso do olhar daquele outro, que hora era eu, hora ele, e, deste jeito, era nós, no nosso jeito.
Hoje, há certeza
Que este um e este outro hoje assim se sabem pelo tempo em que foram nós. Hoje estão aqui, neste começo-aqui, porque um disse ao outro, e vice-versa: ali é teu lugar. E foi por acreditar um no outro que seus caminhos se fizeram paralelos, embora aqui e ali se acenem e se olhem com a tenra alegria de terem, em si, uma história.
Embora seja grata por ele, a ele não quero agradecer. A nós, sim, meu muito obrigada.

Tom

Pretensão, tentar estabelecer qualquer comparação entre ele e eu, já que falo de Tom Jobim. Mas ligações, umas menos tênues, outras mais, há. Há, pelo menos, desde 1981, quando eu, na barriga, nem da vida sabia, e ele já tinha capturado dessa vida o que de poesia e beleza ela tem e o misturado a sua inspiração para compor Luiza, que meses depois, já no ano seguinte, veio a nomear-me: Luisa, nome-canção que, até hoje, me rege. Doze anos depois, aconteceu nosso primeiro e único encontro, se é que o posso chamar assim. Foi quando entrava no ônibus, no Jardim Botânico, indo fazer trabalho de colégio, que vi o cortejo com o corpo dele passar, também pela Rua Jardim Botânico, só que no sentido contrário. Mesmo pré-adolescente, sem conhecer a força de suas canções, virei-me para prolongar, como o olhar, o adeus a ele, e até hoje aquele momento – como muito poucos – me é nítido na memória. E outros 12 anos se passaram, até que hoje, eu com 24, ele, se aqui, com 80, e daí a homenagem que se passa diante de meus olhos, e de outros tantos que prolongaram seus domingos para se deliciar com este mestre e lembrar de outras tantas ligações, como a de também achar que o meu Rio foi feito pra mim, com a diferença que esta costuro com ele assim como outros tantos admiradores seus, tantos e tão mais intensos e fiéis que sinto certa pretesão de começar a descrever esta ligação. Mas isto já não importa, porque muito maior que o embaraço desta pretensão é o nada modesto orgulho de ter de Tom um pouco da minha vida.

(

Um círculo inacabado é a maneira mais pura de dizer: nunca termine de tentar completá-lo.
Tentar completar um círculo é a maneira mais pura de dizer: vá, embora saiba que nunca chegará.
Ir mesmo sabendo que nunca chegará é a maneira mais pura de dizer: a pior solidão é a solidão de si.