terça-feira, 15 de março de 2011

A cidade que se quer

Há dez dias deixei uma temporada de mais de três meses no Rio, a cidade onde eu nasci, cresci e tenho penetrada nas minhas entranhas, e voltei a Madri, a cidade que escolhi para viver há dois anos e que, sorrateira, me faz parte dela, e ela parte de mim a cada nova estadia.
Sempre que penso nisso me vem à cabeça a cena do filme "Avatar" em que o protagonista confessa ao seu videoblog já nem saber qual dos seus dois lados - o humano e o avatar - é o real.
O Rio é minha cidade de origem. Madri é minha cidade de destino - pelo menos por agora -, um destino que escolhi porque...bem, não há um porquê. Há vários.
Um deles é a amizade que Madri - embora nem sempre os madrilenhos! - faz de graça com quem for, da onde for, da cor, cara, opção sexual e dinheiro que tiver. É também a liberdade de caminhar pelas ruas a qualquer hora da madrugada, permitida pela relativa segurança de uma cidade europeia combinada ao movimento noturno de uma cidade que também tem sangue latino. Queria poder descrever a sensação que tive no dia que voltei a Madri ao cruzar a Plaza Mayor às 4h da madrugada, rodeada pelo conjunto de prédios seculares, pintados com a alma de tantas histórias, reconstruídas diariamente.
Outro motivo é a personalidade de Madri, que acho parecida com a minha. É, na minha visão, uma cidade cuja força, beleza e intensidade não se revelam imediatamente e nem tampouco para qualquer um, como Paris, Praga e, claro, o Rio, que esfregam suas qualidades na cara de quem acaba de chegar e que, óbvia e naturalmente, vão atrair a maioria dos viajantes.
Madri não. Madri exige que se enxergue sua beleza perdendo-se por ruelas e topando com prédios, esculturas e paisagens escondidas de tirar o fôlego. Madri exige que se sinta sua força numa caminhada notívaga. Madri exige que se descubra a intensidade com o leve passar dos dias.
Ao mesmo tempo, porém, é uma cidade comportada - para o ponto de vista de uma carioca, frise-se. Cada parte do espaço público cumpre precisamente sua função -, nem mais nem menos que ela -, do transporte aos parques, dos cafés peculiares aos grandes restaurantes, dos (poucos) shoppings aos mercadinhos a céu aberto. Nada escapa de ser exatamente o que se é.
Não nego que esta seja uma visão um tanto poética do que é Madri. É que, ao mesmo tempo que já voltei à rotina de trabalho, mudança e problemas burocráticos, ainda enxergo quase só poesia na cidade, no violino que tocam pelos corredores do metrô, nas árvores indecisas entre ainda ser inverno ou já primavera, nos idiomas que se escuta diariamente - hoje, só no trecho entre a academia e minha casa, teve árabe, francês, chinês e um idioma africano -, no ponto do ônibus noturno que serenamente me leva à casa, no frio que me faz sentir tão viva, nos passos que dou e através dos quais sinto que a cidade já é um pouco minha, e eu um pouco dela.
Porque cada um É da cidade que QUER.
Eu sou do Rio.
Eu quero Madri.

(p.s.: a foto acima é de um cartãozinho que ganhei enquanto caminhava pensando sobre este post)