domingo, 25 de abril de 2010

Quase uma

É quase uma da manhã, e eu me sento.
Porque, embora caminhasse sem pressa, o cenário estava atrativo demais para não ser contemplado. Seria indelicado.
É quase uma da manhã, e eu me sento. Em frente ao Palácio Real de Madri, sob uma lua - sempre ela! - e ao lado de tantos outros que, como eu, também se sentam, embora seja quase uma da manhã.
Se sentam porque, quando a primavera finalmente resolve aparecer depois de um mês de atraso, uma da manhã é cedo para abandonar a rua, as praças, os gramados e as mesas de bares que, talvez pela primeira vez no ano, arderam com o sol que baixou não faz muito tempo.
Mas ainda há tempo antes que ele volte, e por isso nos sentamos: eu, o casal que namorica na grama, as meninas que fazem picnic noturno (leia-se larica), o fotógrafo atento ao foco e esperando o momento certo de disparar e os amigos italianos que se enfileram, de costas para mim, para uma foto, e a fila é tão simétrica que me dá vontade de tirar uma foto também.
Há ainda os que não se sentam, como o atleta que circula o Palácio Real correndo, embora seja quase uma da manhã, o casal de idosos que passeia com o cachorro em traje esporte fino e os quatro senhores que provavelmente saíram de um espetáculo no Palácio Real e, como eu e os que se sentam, querem prolongar a noite.
Eu quero prolongar a noite porque vejo a fileira de postes de luz que iluminam o passeio do palácio, as estátuas e os jardins decorados, o movimento silencioso de quase uma da manhã. E quero ficar ali, não pensar em nada, pensar em tudo, ver, escrever, rir com os bêbados brincando de cavalinho e se espatifando no chão, planejar, sonhar, ponderar, sentir. Me sentar.
Mas um caminhão de limpeza passa e, como um despertador, me leva de volta para a realidade - ao menos a que insistimos em criar. Penso então nos horários, no trabalho amanhã, no resfriado que me pegou toda a semana, que melhor não passar frio, que o relatório do trabalho de campo não está pronto, que os jornais não estão lidos, a resenha não está feita, porque falta ler o texto, falta preparar a matéria, falta descer o lixo, tomar banho, botar a roupa para lavar, e a semana vai ser puxada, e um pensamento puxa o outro, e quando vejo já não vejo a hora de chegar em casa.
Ou não. Hoje não. Abandonarei o cenário, mas hoje sem pressa, porque esperei muito para chegar a primavera. Então vou respirar cada segundo dela, vou deixar passar a hora mas não o momento, mesmo que agora já faz tempo que não é quase uma da manhã.