domingo, 13 de setembro de 2009

27

Há um ano fiz 26 anos e escrevi sobre a sensação de estar presa a um "eterno intervalo de tempo", sobre a vontade de "ver no meu retrato as mudanças que não passarão desapercebidas". Há nove meses embarquei em uma viagem para, sobretudo, buscar essas mundanças. Hoje eu fiz 27 anos e voltei pra casa com uma sensação deliciosa de olhar para trás e ver as minhas pegadas em um caminho que pode ser que tenha sido torto, com mais curvas do que a rota inicial, mas um caminho que eu mesma construí.
Pode não ter sido um caminho longo - quiçá não percorri mais que o trecho inicial - mas foi grande o suficiente para acolher uma imensidão de experiências: fiz lindas amizades, estudei países que nunca tinha ouvido falar, escrevi sobre eles, escrevi sobre um mercado de pulgas, sobre o aborto, sobre as Olimpíadas, sobre moda e arte, sobre bolinhos confeitados, a gripe suína e a imigração. Trabalhei, entrevistei e fui entrevistada, vi o Rei, vi o Rafa Nadal, vi imigrantes na rua e me entristeci com isso. Chorei ao ser demitida, chorei de saudade, chorei de emoção no meio da rua. Mas também ri até doer minha boca, tive dor mas não precisei ir no médico nenhuma vez (uma vitória para uma hipocondríaca!). Congelei no inverno, fritei no verão, fui à praia, vi a neve, fiz topless involuntário (leia-se um mega caixote no mar) e voluntariamente vesti quilos de roupa. Perdi e ganhei quilos, comi a dieta mediterrânea mas também a marroquina, a francesa, a portuguesa, a inglesa e a latina. Descobri os latinos, descobri que sou latina e me orgulhei muito disso. Aprendi a dançar salsa e merengue, mas também a cozinhar, a lavar o banheiro, a esfregar o chão, a limpar vidros, a fazer café, a carregar bandeja (sem derrubar!), a lavar louça. Me cansei. Dormi. Dormi num barco, dormi na casa de amigos, dormi em pé, dormi na areia, dormi no metrô, não dormi, peguei metrô, ônibus, trem, avião, andei de bicicleta, andei por quase toda Madrid. Viajei, sozinha, com meus país, com amigos novos e com os antigos que reencontrei pela Europa. Tomei vinhos maravilhosos - e baratos!. Gastei, economizei, mudei, me surpreendi e até me acostumei, e, como poucas vezes, me senti muito viva, uma sensação que é pra sempre, que nada mais pode tirar de mim.
Ano passado eu fiz 26 anos e escrevi que queria achar meu espelho. Este ano eu fiz 27 anos e escrevo que já não preocupo mais em encontrar esse espelho, porque meu reflexo mais fiel está no mundo, nas pessoas, no que ainda não vi e que anseio para ver nesse caminho que continuarei a construir (depois de umas fériazinhas em casa!).

"Hoje entendo bem meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou tv. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas prórpias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sobre o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver."
Amir Klink.

sábado, 5 de setembro de 2009

Cigana por um mês

Já que tenho ancestrais romanos e húngaros, decidi explorar minhas raízes ciganas no mês de agosto. Depois de 26 anos morando na mesma casa, em um só mês "morei" em quatro lugares diferentes, sendo um deles um barco.
Ok, admito que não foi uma experiência voluntária: o contrato do meu apartamento terminou no fim de julho, e um amigo do Rio que mora em Madrid com a família me ofereceu seu apartamento nos 15 primeiros dias de agosto a começar pelo dia 2, quando viajaria de férias. Nesse hiato de dois dias, fui pra casa de uma amiga espanhola que ainda me ajudou a transportar minhas 5 malas, um caixote de livros e papéis e umas 50 sacolas (impressionante nossa capacidade de acumular coisas em alguns meses).
Depois de dois dias com a Susana, que mora ao norte de Madrid em uma casa com um jardim lindo e uma piscina que dá outra cor para o verão sufocante dessa cidade, passei 15 dias no apartamento do Fernando em regime de quarentena para escrever o trabalho final do master. Ao sair de lá, tinha planejado partir em uma viagem de uma semana em um barco da ONG de meio ambiente, onde estou "estagiando", que percorre a costa espanhola fazendo campanhas em portos e praias.
Mas, como quase tudo nessa viagem foge dos meus planos, a campanha atrasou alguns dias e, ao mesmo tempo, fui chamada para trabalhar nos fins de semana até o início de setembro num restaurante vegetariano que adoro.
Como a Susana foi viajar, recorri então a uma amiga uruguaia, que me abriu as portas do seu apartamento, o meu 3º lar do mês, por outra semana mais, uma semana de muito estudo, muito calor mas ótimas conversas.
Chegou a última semana de agosto e eu parti rumo à minha 4ª cama do mês, dessa vez o sofá da cabine do veleiro da ONG. Ok, confess que já não tenho o mesmo espírito hippie de alguns anos atrás e prefiro morar em uma casa mais limpinha e com gente que tome outros banhos além do de mar, mas foi maravilhoso dormir com o balanço do mar (sensação me acompanhou em terra firme nos 4 dias seguintes) e olhando para o céu, estudar na praia, comer muitos frtos do mar, ser assessora de imprensa de campanhas ecológica e, sobretudo, torrar ao sol.
Agosto acabou, mas meu espírito de cigana ainda dura mais alguns dias, que eu passo de novo na casa do amigo carioca, que está semana está de novo fora da cidade.
Pra quem nunca tinha se mudado na vida, tenho que dizer que não me saí mal. Devem ser minhas raízes ciganas.
Raízes, porém, que em alguns dias descansarão, agora sim, no meu lar, na minha cama, a de toda a minha vida...
Sim, estou voltando pra casa.


E, abaixo, o pôr do sol de Madrid visto da varanda da Raquel, em um dos ótimos momentos desse mês itinerante.