domingo, 30 de agosto de 2009

As férias - capítulo 3

Girona. Esse era o destino do primeiro ônibus do dia que saía do aeroporto, e, em instantes, o meu também. Meia hora depois e lá estava, na cidade catalã que se apresenta como pioneira nos estudos da Cabala e na convivências entre judeus, árabes e cristãos. E tudo isso aos pés dos Pirineus, que eu avistava da muralha que cerca o centro histórico da cidade.

Lá também fica o museu de história judaica, que eu fui visitar e onde topei com um casal de Miami que eu pensei que, por coincidência, podiam conhecer meus tios que moram lá. Não conheciam, mas, por coincidência, a mulher era brasileira, o que incentivou uma conversa que se prolongou em um café e até a hora do almoço.
Mas eles tinham que seguir o roteiro deles - que consistia na árdua tarefa de atravessar a fronteira com a França de carro para um encontro de Ioga - e eu, o meu, que, er.. bem.. a verdade é que não tinha nenhum roteiro, a não ser pegar um ônibus para Madrid no fim do dia. Mas ainda faltava muitas horas para isso, então lá fui eu pra fila da rodoviária de Girona descobrir o meu destino na televisãozinha que mostra as próximas saídas.
Uma delas era Lloret de Mar, uma cidade de praia na fronteira com a França, na chamada Costa Brava espanhola. Então tá. Uma hora depois, e lá estava eu, caminhando pelos 100 metros que dividiam a rodoviária da praia de uma cidade que não parecia em nada com os típicos pueblos espanhóis: ali via-se muita gente loura, barraquinhas de crepe no meio da rua, como em Paris, e um idioma que mistura o francês com o catalão e, ok, um pouco de espanhol.
Pensei que essa experiência antropológica terminaria quando chegasse na praia, onde planejava torrar até o fim da tarde. Mas lá dava até para escrever um tratado sobre a humanidade.
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Lloret de Mar, a farofada européia na fronteira com a França
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Diferente de Barcelona, a areia não reluz dourada em Lloret de Mar. Aliás, não é nem areia, são minúsculas pedrinhas claras. A geografia também é bem diferete: a praia é mais rochosa, selvagem. O mar é bem mais agitado, assim como a frequência da praia: estava tão cheio que foi difícil achar um espacinho pra minha canga (ok, tinha a mala também, que não pude deixar na rodoviária porque não tinham locker).

E ali, no meio daquela multidão, aprendi o que é uma farofada européia. Ao contrário do clima blasé e os top less de Barcelona, a turma lá deita em cima de bóia enormes (na areia!) e come lanche do Mc Donald´s que fica ali na esquina.
Mas eu disse farofada à européia: as rochas e um castelo na ponta da praia conseguem ofuscar a bagunça. Bagunça que já se nota desde a rodoviária, que fica a não mais que 200 metros da praia. Nesse trajeto, vende-se de tudo, inclusive - e principalmente - crepes e waffles, em barraquinas como as de Paris.

Mas ese não é o único sinal de que estamos na fronteira com a França: além do catalão e do espanhol, o francês também está nas placas de rua e nas conversas. Tentei acompanhar algumas e tenho certeza de ter ouvido os três idiomas.
Apesar de que foi o espanhol que me serviu pra pedir a uma família do meu lado para olhar a minha mala enquanto eu ia dar um mergulho. Tarefa árdua nesta praia em que: 1) as ondas estouram na beira, formando uma grande "rampa", e 2) nessa rampa fica metade da multidão da praia, que se deixa arrastar pelas ondas, numa espécie de caldo voluntário. É impressionante o gosto que tem essa gente por levar caldo. Pensei que deve ser coisa dos europeus do norte, que parecem ser maioria por aqui.
A excitação era tanta que me contagiou, e me taquei no mar feliz e saltitante por me refrescar do calor fritante que fazia nas águas da Costa Brava.
Chique? Podia até ser, até a hora que eu tentei sair do mar e tomei um caixotão que levou o biquíni la na cabeça.
Ok, nada muito anormal num lugar em que as pessoas voluntariamente levam caldo e ficam de peito de fora. Então eu saí rindo, embora com um quilo de areia no nariz e outros dois no cabelo.
Me sentei ao sol e logo voltei à rodoviária, onde peguei um ônibus para Barcelona e dali direto pra Madrid. Depois de oito horas de viagem, enfrentei mais 40 minutos esperando o ônibus noturno para me levar a Plaza de la Cibeles e, dali, para casa.
O enorme relógio da Cibeles marcava 4h55 quando cheguei, exatas 24 horas depois de eu chegar no aeroporto de Barcelona e nem imaginando que, mais uma vez, seria presenteada com o imprevisto.
Olhei para a estrela que acompanhava o relógio da Cibeles e pensei: como quero ter outras viagens como essa!

sábado, 22 de agosto de 2009

Vai entender...

Coisas do capitalismo em crise: Na Espanha um casaquinho custa o dobro de uma passagem de avião e, ao mesmo tempo, 20 centavos menos que o bolo de cenoura do Starbucks - palavra de quem comprou os três e gastou, no total, 5,20 euros.

(só uma pausa antes do capítulo 3 das férias)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

As férias - capítulo 2


Dois dias depois e aqui estou, estirada na praia de Barceloneta, em Barcelona, sob um sol de 40 graus que arde até as 21h30 e sobre uma areia que, como o brinco de capim dourado que uso, reluz como grãozinhos de ouro quando o sol bate na borda do mar Mediterrâneo.
Ah, o Mediterrâneo. Esta foi a primeira vez que mergulhei, nadei e boiei nele (ok, confesso que não é muito diferente do Atlântico, fica então de licença poética tá?). E boiei com meus lábios ardendo pelo sal (este sim, mais forte que no Atlântico), meu corpo tostando com o sol mas minha alma, seca por um banho de mar, sugando todo o prazer daquele momento.
Esse excesso de elogios pode uma visão romântica fruto da nostalgia que me bateu durante este verão de muito calor e nenhuma umidade em Madrid, somado aos seis meses sem tocar o mar. Até porque, praia por praia, prefiro Ipanema. Mas a Barceloneta, especificamente, é uma praia que compete com as nossas, embora também tenha seus defeitos. Um deles, os pick pockets profissionais, que inclusive tentaram roubar minha bolsa enquanto eu boiava no mar.
Fui salva por umas meninas holandesas de topless que estavam sentadas ao meu lado(o Marcelo e Renato se arrependeram profundamente de não ter me acompanhado na praia esse dia). Como boa carioca, havia pedido que elas olhassem minha bolsa, mas só pela força do hábito. Afinal de contas, pensei, sorry periferia, mas estou numa praia européia. Bobinha.
Comemorei o fato de que não tinha sido roubada (de novo, como boa carioca, isso é motivo de comemoração) devorando um bocadillo de calamares (= anéis de lula a milanesa na baguete) ali mesmo na areia, enquanto lia "Geografia a Fome" e esperava o Marcelo, que foi me encontrar para um passeio na orla para o pôr do sol (leia-se 22h).
E passeamos por uma das partes mais encantadoras de Barcelona: ótimos músicos se apresentando na rua, pessoas sentadas na grama assistindo, filas de bares e restaurantes à beira-mar e uma zona portuária cujo charme e movimento foram restaurado para as Olimpíadas de 92 e se mantêm até hoje.
Foi um fim de dia perfeito daquela viagem perfeita: matei toda a minha sede de mar e me diverti com amigos do Brasil - que, diferente dos ótimos amigos brasileiros que eu fiz aqui, fazem parte da minha história, são um pouco como família e, por isso, fazem eu me sentir um pouco mais em casa. No meio da madrugada peguei o ônibus até o aeroporto de Girona, cidade vizinha a Barcelona e de ontem saem os voos baratos para Madrid, para voltar feliz e contente a Madrid. Ledo engano...
Perdi o voo porque estava sem o passaporte (achei que a carteira de residência espanhola bastasse). Me disseram que ligasse para a polícia da Catalunya, que enviaria uma viatura ao aerporto para registrar a perda do passaporte e, com essa denúncia, conseguiria viajar. Mas eles deviam estar fazendo operação em alguma favela de Barcelona porque passou uma hora e nada. Fui tentar falar com os simpáticos e flexíveis funcionários da RyanAir, que disseram que podiam me colocar num voo da tarde por uma mísera taxa de 100 euros, apenas 95 euros a mais do que eu tinha pago.
Então ali estava eu, as 6h30, sem dormir, num aeroporto lotado de gente, no meio do nada, sem passagem e sem destino. Opa, eu disse sem destino? Hmm, aquele estresse começou a ficar interessante: quem sabe não seria uma chance de me aventurar por aí? Fui ao balcão de informação e decidi ir para onde saía o primeiro ônibus. E lá fui eu, para mais um dia de ótimos imprevistos...

terça-feira, 4 de agosto de 2009

As férias, capítulo 1

O capítulo um começa com uma dúvida (pra variar), que remonta a meados de julho (sim, estou um mês atrasada):
Comecei a trabalhar em uma sorveteria/cafeteria, depois de ser demitida de uma patisserie belga que eu estava amando mas que cortou 15 funcionários por causa da bosta da crise.
O trabalho, diferente da patisserie belga, onde o mundo era cor de rosa e o pao, maravilhoso, é bem puxado: quase 10 horas por dia, seis dias por semana, e não pense que é só ficar colocando bolinhas de sorvete no copinho. Vai daí pra baixo.
O salário é ruim para a exigência de trabalho, mas bom em termos relativos. Dá para me manter bem e ainda juntar uma grana extra e poder fazer um doutorado mais tranquila. Além disso, o cara que me contratou aceitou numa boa a minha carteira de identidade de estudante (que, apesar de legal, é rejeitada por muitas empresas), e a gerente é uma argentina super fofa. Isso para não mencionar que posso passar o dia tomando sorvete e sucos, comendo croissants e sanduiches.
Bem, er, então, qual é a dúvida?
Basicamente, que tenho até setembro para escrever a tese e, apesar de não estar mais em aulas, ia começar em breve a parte prática do curso - que previa uma viagem de cinco dias em agosto. E, depois de nove horas esfregando chão, servindo sorvetes, lavando louça, passando calor e afins, já não me sobra muito ânimo. Menos ainda porque que me trocaram de turno e a minha chefe, que era uma argentia fofa, passou a ser uma bruxa espanhola grossa e mal-humorada.
Acrescente-se a isso o fato de que, dias depois, chegaram a Madrid o Renato e o Marcelo, dois amigos do Rio com quem havia combinado três dias de praia em Barcelona, o que, para quem encara os 40 graus diários e a secura de uma cidade que está a pelo menos três horas de qualquer resquício de mar, é um paraíso.
E foi sonhando com esse paraíso que cheguei na sorveteria as 8h de um domingo, alguns minutos antes de a gerente bruxa soltar a sua primeira grosseria do dia, reclamando que eu estava colocando os croissants na bandeja com uma mão, em vez de duas. Pensei: pronto, esse era o motivo que faltava para me convencer a jogar a toalha - neste caso, o avental. Comi calmamente um croissant, chamei a gorda pro canto e disse: olha, assim não está dando para eu continuar, você é muito grossa e não dá para trabahar dessa forma, etc e tal.
Terminei o discurso, tirei o avental e saí correndo para pegar o Renato e o Marcelo ainda na minha casa, aonde eles se hospedavam, e aproveitar o dia em Madrid.
Tudo bem, foi tudo muito intenso, com cara de cena de filme e tal, mas a dúvida de abrir mão de um emprego que poderia me garantir uns meses mais aqui ainda rondava minha cabeça. Até pararmos para ouvir um grupo de violinistas que se apresentavam na rua. Ali, ao som de Primavera de Vivaldi (a música-tema da viagem com os meus pais pela Europa) e de Tango e na entrad da Plaza Mayor, fechei os olhos e, só pelo que senti naquele momento, já valeu a pena.
E olha que ainda nem tínhamos embarcado para Barcelona, onde muito sol e mais confusões me aguardavam...