terça-feira, 29 de maio de 2007

Entre "

Há um olhar que sabe discernir o certo do errado e o errado do certo.
Há um olhar que enxerga quando a obediência significa desrespeito e a desobediência representa respeito.
Há um olhar que reconhece os curtos caminhos longos e os longos caminhos curtos.
Há um olhar que desnuda, que não hesita em afirmar que existem fidelidades perversas e traições de grande lealdade.
Este olhar é o da alma.

A Alma Imoral, Nilton Bonder.

sábado, 26 de maio de 2007

A caixinha

Daquela pequena caixinha sairam distantes lembranças das mútuas entregas, do romance avassalador e de pequenos carinhos como aquele, o da pequena caixinha que aquelas mãos delicadas confeccionaram, num dia de paixão florescida, num dia que ficou fotografado na eternidade, ou ao menos enquanto durasse aquela caixinha. Eram pequenas fotos, eram colagens românticas, era um mimo que ela, com tanto entusiasmo, entregou àquelas mãos grandes e fortes. Era muito mais do que isso...
Daquela pequena caixinha saiu a resposta que ele procurava há semanas, talvez meses. É isso, disse de si para si, não mais contendo as lágrimas que até então apertavam um nó forte na garganta. É isso que não temos mais, lamentou, disso que sentia tanta falta, talvez por isso o brilho da sua áura, sempre estonteante, estivesse, pouquinho a pouquinho, perdendo a força.
Agora, se debulhava cada vez que lembrava do momento em que, envolto em dúvidas e questionamentos, sua mãe lhe entregara uma caixinha perdida entre tantos outros objetos da casa, e note, podiam ser estes tantos outros, mas foi justo a caixinha que a mãe trouxe nas mãos, dando-lhe ao mesmo tempo - talves sem saber, talvez sabendo, talvez seguindo o sexto sentido maternal - uma direção naquele caminho que lhe era difícil percorrer.
E a falta que sentia de tudo aquilo, a saudade de quando eram eles, de quando a viu, daquela festa em que o tão esperado beijo aconteceu, tudo isso saltou da caixinha como se estivesse preso em uma mola, tensionado pela pressão da tampa. E também pelas preocupações do dia-a-dia, pelo operacional daquela rotina exigida pela criança agora entre os dois. O romance acabou, pensou. Acabou?
Agora lhe restava a dúvida se o casual (?) encontro com a caixinha era um alento para reanimar este lindo romance, que gerou um fruto mais bonito ainda, ou se eram apenas lembranças de uma época que não voltará, memórias para se guardar numa caixinha, afinal. A certeza é que a caixinha, cada vez que aberta, até o fim desta vida, ou no início de outras, o premiará com pingos de uma história, conta-gotas da eternidade, de toda a eternidade que cabe dentro daquela pequena caixinha.

terça-feira, 15 de maio de 2007

Novo velho mundo

Tenho flagrados pensamentos, em pequena, de que tudo já estava pronto quando cheguei aqui. Prédios, ruas, hospitais, tudo o que via da janela do carro. Nada mais a construir.
E hoje, mesmo depois de ter testemunhado um mundo feito tão antes da minha chegada, nove séculos antes até, são insistentes as imagens de novas construções que, tijolo a tijolo, foram substituindo aqueles pensamentos de criança, esta que agora vê, além das coisas prontas, aquelas que se erguem sem limites. E insólitas, porém, e perdidas, porém, e sem rumo nem por que.
E vão formando um novo pensamento, de que se tem formado por aí um novo velho mundo, este mundo onde as novas coisas feitas sem propósito e mesmo assim com muita pressa se apertam - ou apertam - entre os própositos das velhas e lentas coisas, que, embora em ruínas, ainda mostram seus simbolismos, suas histórias, talvez sangue, talvez glórias, este mundo onde "tudo ainda é construção e já é ruína".