domingo, 10 de abril de 2011

Roda mundo

Meus olhos toparam dispretensiosamente com a etiqueta "hecho en China" da cortina do chuveiro enquanto eu tomava banho hoje no Holyday Inn de Atenas.
Ou seria de Lisboa?
Não, o Holyday Inn de Lisboa foi onde a arrumadeira, romena como minha vó, me ensinou a fazer a cama outro dia. Que dia? já nem lembro. Mas lembro que a cortina "hecha en China", apesar de escrita em espanhol, era mesmo do Holyday Inn - uma cadeia de hoteis dos Estados Unidos - de Atenas, na Grécia, onde estava para acompanhar a visita da presidente brasileira, que foi fazer um pit stop na sua viagem para a China, que é de onde vem a cortina do banheiro do hotel da rede americana no qual eu, brasileira como a presidente (que aliás veio do leste europeu, como meus avós), estava hospedada, em Atenas, na Grécia.
Eu e um árabe, que passava os dias perambulando pelo hotel de turbante. Um bem parecido ao que usava o motorista do ônibus que me leva à sede da ONU em Genebra.
Não, o motorista era do double decker de Londres, onde de repente estou, ao lado do motorista de turbante, da menina com uma das categorias do véu islâmico, das inglesas que desenharam a bandeira de seu país no rosto, marcando na cara sua origem, assim como a menina do véu islâmico do Paquistão.
Ou seria da India?
Pisco o olho e de repente estou no avião de volta a Madri. Ou seria a Londres de novo? Já não lembro, mas sei que sentei ao lado de um menino da China, como a cortina do hotel de Lisboa e para onde a presidente, brasileira como eu, iria após um pit stop na Grécia. Ou seria Lisboa?
Madri. Agora estou jantando em Madri com amigos brasileiros que me contam a história de suas famílias. Um era polonês, fugiu do Holocausto para a Inglaterra e casou-se com uma italiana, com quem para o Brasil, onde nasceu minha amiga que, num movimento oposto, ganhou passaporte da Italia e foi morar em Madri. Outro, depois de se esconder dos nazistas em um porão em Budapeste, fugiu para o Rio de Janeiro, onde combinou de encontrar com a mulher, que, anos depois, baixou ali com os filhos e conseguiu reencontrar o marido por um anúncio no jornal local.
Jornal local. Levei um de cada lugar. Da Grécia (ou seria Londres?), de Londres (ou seria Lisboa ?). De Lisboa (ou seria Grécia?). Disso não lembro, só de que todos eram locais, embora falassem do mundo, embora me mostrassem, os jornais, a cortina chinesa do banheiro grego, a arrumadeira romena, a presidente brasileira, o hotel da rede americana, o avô polonês da minha amiga paulista, o avião irlandês com o passageiro da China, e do Brasil, e de sabe-se lá de onde mais, o quão falido é o conceito de local, o quão estáticas são nossas visões a partir da nossa origem, e não de nosso destino - o mundo -, o quão falsas são as fronteiras nacionais, e o quão verdadeiro é que "somos todos filhos de Deus.
Só não falamos a mesma língua".