segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Na beira

Me dei conta ali na beirinha, ao ver o menino que feito peixe sumia no feixe entre a onda e o fundo do mar, os amigos que conversavam tranquilamente no meio da arrebentação, a menina que se protegia dos caixotes atrás do namorado.
Me dei conta com o tronco fincado na areia, esperando um intervalo entre uma onda e outra para mergulhar - quer dizer, para abaixar rapidamente a cabeça na água:
caramba, virei uma pessoa que fica empacada na beira do mar.
Eu, que aos dois anos fui arremessada do barco no mar revolto de Cabo Frio pelo meu pai, um engenheiro e mergulhador - influência do meu avô, um fotógrafo e pescador -, virei uma pessoa que fica empacada na beira do mar.
Tudo bem que minha mãe me esperava de braços abertos, mas aquele mergulho forçado selou minha amizade com o mar, que carreguei com zelo até... até virar uma pessoa que fica empacada na beira.
Dali pra frente, não precisei mais ser tacada no mar. Por minha conta em risco, me jogava sozinha cada vez que o barco se aproximava de alguma praia, bem longe de atracar. E de lá só saía para roubar uns camarões fritos que o "dono" da ilha servia na areia ou para esfregar cubinhos de doce de leite no lábio, o melhor alívio da ardência do sal que já existiu. Tirando esses intervalos, eram horas e horas observando desde a superfície o meu pai mergulhar e ouvindo o ritmo da minha respiração no tubo.
No Rio, encarava tranquilamente as ondas, ultrapassando uma a uma, até chegar ao ponto em que o mar me abria os braços. E aí a nossa amizade era plena.
Na volta, deslizava com a prança até a beirinha, esta mesmíssima onde hoje me encontro empacada.
Daqui da beirinha, começo a lembrar da adrenalina de furar uma onda, da taquicardia de ser engolida por ela quando não dá certo, do alívio furtivo de voltar à superfície, agora com ainda mais vida, valorizando cada mínima porção de oxigênio. E da plenitude do encontro com o mar lá depois das ondas.
E para chegar lá, penso, deve ser mesmo preciso sair daqui da beirinha e enfrentar o sacolejo das ondas. Se propor ao risco.
Pode até não dar certo, mas concluo que ainda assim é melhor que fincar a perna na beira esperando (horas, dias, anos,...) um mar sem adversidades para poder boiar.
Então tá, começo a tentar enfrentar as ondas. Vou. Não vou. Tento de novo. Volto. E assim sucessivamente, até meter a cabeça numa onda, que delícia, mas logo voltar correndo ao ponto de partida.
Tudo bem, vou sem pressa - o mar também se revela paciente. Lembro da técnica da exposição ao risco que minha amiga psicóloga me ensinou. Então volto a me expor.
Mais dois mergulhos. Três. Quatro. Dez. E no décimo a energia da água me toma por completo. Olho para os lados - de um o Arpoador; de outro, as pedras do Leblon. Sobre mim, o sol pungente. Não resisto.
Choro por ele, pelo mar, pelo que tinha visto esta semana, por estar perto dos meus amigos e família. E nem ligo para o clichê, até porque agora faz ainda mais sentido o meu amigo que publicou no facebook estar muito feliz por "apenas" sentar com amigos num bar.
Porque selei a volta da minha amizade com o mar, embora não tenha chegado ao fundo, embora saiba que ela ainda terá muitos altos e baixos. Agradeço, acaricio a beira com os pés. A beira à qual hoje não fiquei empacada.

4 comentários:

Ita Andrade disse...

Belo texto Luli. Que a força do medo que temos não nos impeça mergulhos profundos no mar e na alma.
Um abraço forte

Anônimo disse...

Se joga!

Brasil na Italia disse...

Oi Luisa,
Tem selinho para você lá no Brasil na Italia. :-)
O seu blog é recomendadíssimo!
bjocas,
Babi

Unknown disse...

Oi Luisa... Irei para Madrid em Março e gostaria de umas dicas se possivel... pode me passar seu e-mail? o meu é izabellafernandes@yahoo.com.br
Bjos