segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Aurora

A cidade já clareou mas ainda descansa silenciosa, às 5h40 desta segunda-feira. É um silêncio atípico, de um Rio de Janeiro que é caos por essência. O fim do horário de verão permite essa combinação rara nesta época do ano por aqui: já é dia e ainda é silêncio. Ainda dormem o ruído da obra, das máquinas de lavar roupa, dos vendedores da praia, do samba em qualquer esquina neste pré-carnaval.
As calçadas ainda não fervem, embora o sol se reflita nas árvores do Jardim Botânico. Daqui, imagino a efervescência que certamente já despertou quase todas as favelas da cidade. Mas aqui ainda é silêncio.
É um silêncio falso, eu sei. Melhor: uma pausa de algumas horas do fervilhante cotidiano carioca. Mas é um silêncio que está ali, que também existe, que me faz até sentir saudades do inverno europeu, dos dias frios em cafés onde quase não se fala, só se observa, se aprecia, se reflete, se cala.
Aos poucos, o caos vai retomando seu espaço. O menininho aqui do lado sai pra escola brigando com a mãe, a ignição de um carro é ligada, seguida de outra. O jornal aparece na porta, a Dida chega e já abre a tábua de passar roupas. A minha irmã sai para correr. Inauguram-se os discursos no Facebook dos meus amigos brasileiros (porque os espanhóis, quatro horas à frente, já estão na ativa), além dos cantos dos pássaros e da cigarra nas árvores.
Volto para a sala e o dia já ferve, embora não seja nem 7h30. Desisto de dormir e vou tomar café, porque, mesmo que eu queira, o caos já não deixa. A obra do lado já não deixa. A aurora já devolveu ao Rio sua condição sine qua non, e às 7h30 a pulsação da cidade ferve dentro de mim.

3 comentários:

Anônimo disse...

Fiquei imaginando lugares em que sempre é silêncio e lugarem em que sempre é barulho. O que você escreveria sobre?

Luisa Belchior disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luisa Belchior disse...

O contraste, pra mim, é um elemento, se não fundamental, muito valioso num texto.