“Ó lá!”, apontou o tio, e o menino esticou o corpo no banco de ônibus, e seus olhos arregalaram como que para dar conta da imensidão daquela paisagem - o Pão de Açúcar - que se mostrava pra ele de súbito naquela enseada - a de Botafogo.
“É a Lagoa Rodrigo de Freitas!”, ele exclamou, com a excitação de uma resposta certa, sobre a Baía de Guanabara, e eu ri, não dele só, mas de mim também, porque lembrei como eu e minha irmã achávamos o mesmo quando crianças.
E de repente não conseguia mais tirar os olhos do menino e voltá-los ao jornal, porque aquele olhar me dizia: encantamento! E me dizia também: aos poucos perdemos esse encantamento, viciamos o olhar pra não ver tanta coisa bela, e não falo só das paisagens - embora também das paisagens, porque sempre enxerguei Deus nelas - mas também da beleza dos encontros, esses de todos os dias. Não é afinal uma coincidência dividirmos o mesmo tempo e espaço em toda essa imensidão? (não, não é).
Mas também construímos nossas próprias cortinas, me contava o olhar do menino, pras coisas feias, erradas, pros desencontros - das pessoas entre elas, de nós com as pessoas e de nós com nós mesmos.
Aquele olhar me falava dessa nossa cegueira, talvez a que Saramago quis descrever na história agora em cartaz em um cinema também na enseada de Botafogo, este palco com um pouco da beleza e da feiúra do mundo (e realmente não falo só das paisagens). Mas as nossas cortinas continuam fechadas para esse espetáculo?
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
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